Poesias
Canto das ceias
Não alimentarás este desejo circular e cego, que tudo
suga nas ventosas, mais do que albergam as poucas
necessidade. O desejo é fera a devorar a alegria
das coisas: nasce velho e se rejuvenesce.
E quanto mais desejamos, mais se distancia o desejado.
Criarás os desejos na coleira, animais domésticos
nos quintais da alma; desobedientes, serão punidos
com máscaras de flandres. Alimentados, virão lamber
de tuas mãos o afago - e procriarão, rebentos de novos desejos.
E cada manhã irás ao redil, escolherás o de finas
carnes, cheio de espÃrito, e o sacrificarás
para a ceia à mesa da felicidade.
Para que serve o corpo, senão arder,
fertilizar o outro, almar-se?
Criar é percutir tambores na madrugada
até acordar do sonho os espÃritos famintos da alma.
Criar é medir forças com o Destino,
encarniçar a vontade na crueza.
Porque nenhum homem há de se tornar o que sonha
sem andar sobre brasas, queimar os pés, suportando.
17/05/2011